segunda-feira, 10 de abril de 2017

Na Superfície

Aprendia a nadar nos meus braços, 
em água salgada.
O corpo era pequeno, leve,
O rosto de menino.
Cabelos pretos, livres, pele amorenada.
Não sabia que lembrava com tanta nitidez.
Mesmo em sonho me assustou
Reconhecê-lo naquela idade.
O sorriso maroto.
Confiava em mim como fosse
Impossível o mundo fazê-lo afundar.
Eu o protegia enquanto adulto, 
Mas não me sentia assim. 
Estava frágil.
Ele ria como sempre riu de tudo.

Um suspiro depois:
Eu quem boiava agora,
Nos braços de meu primo.
Um pouco mais velho que
Quando, pela última vez,
Rezei-lhe entre flores.
No cabelo, então, algum grisalho. 
A água, morna e calma.
Cobria boa parte de mim, 
Batendo às vezes no ouvido.
Infiltrou a minha essência, 
Preencheu um pouco do meu vazio, 
da saudade.
Ria como sempre riu de tudo.
Só que mais seriamente.
Não que estivesse triste. 
Queria me dizer algo
Ou eu queria que ele me dissesse.
Simples estar ali era um prazer
E um privilégio.
Não caberia pedir mais.
Mesmo em sonho.

Mantinha algo escondido.
Seria o às da canastra 
ou uma história inconfessável?
Impossível o mundo fazê-lo afundar.
Afogar-nos-íamos todos em dor
Antes do meu primo desfazer o sorriso.

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